Muito se tem dito à respeito da suposta modificação de organograma do governo que retornaria o Arquivo Nacional para o Ministério da Justiça. Muitas pessoas acham que o AN será "rebaixado", outras, erroneamente, acham que ele sairia do 1º escalão. Tanto a Casa Civil, como o MJ são do primeiro escalão. Na hierarquia do governo ambos estão na mesma "latitude". Pode-se dizer que a Casa Civil está mais próxima do centro do poder. Na verdade ela não chega a ser um ministério, porém um órgão com prerrogativas de ministério. Antes do todo-poderoso José Dirceu poucas pessoas sabiam o que é a Casa Civil e, muito provavelmente, muitas outras achariam que o Ministério da Justiça teria mais influência. A Casa Civil, como órgão acessório da Presidência está muito mais sujeito às idas e vindas da política do que deveria, em teoria, estar um ministério.
Palocci não está nem aí para o Arquivo Nacional (até mesmo porque este não consegui se fazer presente na gestão dos documentos da própria Casa Civil em quase uma década). O que ele quer é transformar a Casa Civil em um órgão mais político e menos administrativo. Para tanto, crê ser preciso queimar algumas "gordurinhas burocráticas" para dar mais agilidade ao órgão. Equivocadamente não vê o arquivo como um setor estratégico da administração. Se a idéia for enxugar a Casa Civil para que ela se torne um "escritório político" do Planalto talvez seja melhor mesmo tirar o Arquivo de lá.
A questão primordial não é onde o Arquivo deve estar, se não discutimos melhor quais são esses lugares. Achar que pelo simples fato de a Casa Civil estar mais próxima da Presidência é melhor parece ser uma simplificação superficial. O arquivo, em teoria, tem de estar o mais próximo possível da máquina administrativa; isto é, do Estado. Em um país presidencialista Estado e Governo se confundem (no legado populista de Lula, mais ainda). A Casa Civil é órgão muito mais afeto ao Governo do que ao Estado. Nessa celeuma toda ainda não vi nenhuma linha que discutisse qual deva ser o papel da Casa Civil .
Institucionalmente tendo a achar que o AN fica melhor alocado na Casa Civil do que no MJ. Politicamente falando, prefiro o Arquivo sob os auspícios do José Eduardo Cardozo (que acima de tudo é legalista) do que sob a tutela do Palocci (acima de tudo "negociador" político). Uma breve pesquisa em imagens sobre a Casa Civil indica que ela talvez não seja o melhor local para o Arquivo, sobretudo se pairam suspeitas sobre o interesses políticos que regem a (ou reinam na) instituição (ver
post aqui). Vamos a algumas charges:
Um eventual retorno ao MJ dará ao AN uma ótima desculpa para a tradicional ineficiência. Digo suposto porque, até o momento, ninguém viu portaria, ato, resolução, decreto etc. que propusesse a mudança. Nem a minuta foi apresentada. A imprensa que é tão pródiga em encontrar rubricas e assinaturas em minutas e programas (ver
post aqui sobre isso) ainda não apresentou nada.
De qualquer modo, o triste fato é que, desde há muito, o Arquivo Nacional, tanto no Ministério da Justiça, como na Casa Civil, não vêm respondendo adequadamente às demandas da academia, da administração ou da Sociedade. Será que Palocci está mesmo equivocado ou será que o Arquivo Nacional, do modo com o qual vem atuando nos últimos tempos (anos? década?) não tem a capacidade de ser estratégico? Ou será que isso é apenas mais uma (entre tantas) noção teórica sem correspondência na realidade brasileira?
A questão primordial é discutirmos qual deve ser o papel do Arquivo Nacional. Tal instituição, ultimamente, tem se negado a receber críticas da sociedade e da academia (vide, por exemplo, o episódio lamentável ocorrido no XV CBA em Goiânia, envolvendo críticas, muito bem fundamentadas, do Prof. Sérgio Albite, e não digerias pelos representantes do AN; problemas quanto ao enfoque não plural do Dicionário do AN - ver
artigo aqui; recusa em permitir capacitação em nível de doutorado de funcionário, ver
post aqui; etc).
Recentemente fiquei sabendo que, em função de outras críticas feitas em congresso (desta feita no XVI CBA, em Santos) e igualmente mal-digeridas, a instituição passou a fazer análise de mérito de trabalhos a serem apresentados em congressos por funcionários do AN (mesmo que um comitê científico, constituído por renomados especialistas, com avaliação às cegas já tenha se manifestado favorável). Em última análise, esse pequeno tribunal inquisitorial interno é quem decide se o funcionário irá (ou não) apresentar trabalho em congresso e se coloca acima dos consultores ad hoc. Por essa razão, a apresentação de trabalhos recentes em congressos por membros do AN é inversamente proporcional à qualidade e à importância do evento.
Se não mudarmos o conceito de arquivo, que deve envolver, necessariamente, uma redefinição das relações do AN com a administração, com a sociedade (universidade incluída), além de maior transparência, as modificações tópicas do governo Dilma serão apenas cosméticas. Ao invés de aproveitar o momento para buscar redefinir o que dever ser o Arquivo Nacional, temos nos perdido em manifestos, debates inócuos etc apenas para tentar manter o status quo, embarcando em um balão de ensaio, enquanto o presidente do AN sossegadamente goza de merecidas férias e, vez ou outra, deve olhar para o circo que armamos e sorrir com ironia...