Tarde de domingo. Abril de 2013. Você, alun@ regularmente matriculad@ no curso de Diplomática, deve estar perguntando: como um post cai assim do céu? Ou talvez, numa palavra mais apropriada ao discurso tecnológico, das nuvens? Mais um desafio? Não. Fiquem tranquilos. Só uma reflexão que quero compartilhar.
Para começo de conversa, cabe primeiro as honras de uma breve apresentação. Meu nome é Rodrigo Ávila. Ex-discente da UnB. Atualmente tenho a oportunidade de exercer a função de docência na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Esse desafio me fez alcançar a seguinte consideração: quando passamos "para o outro lado" (a luz não! não vá pra luz!), procuramos as melhores metodologias de aprendizagem. Ou seja, reencontramos nossas referências. Quando pisamos em sala, pensamos: "Por onde começar? Meus ex-professores, claro!". E essa disciplina sempre foi um marco na minha trajetória. Foi nela que consegui realmente compreender a diferença entre ensino e aprendizagem. Tanto que, mesmo após graduado, comecei a frequentar os encontros nas noites de sexta-feira. A primeira aula logo me pescou. "Como assim, o professor não diz nada e eu saio daqui pensando uma série de coisas sobre diplomática?". Voltei no ônibus pensando. Nessa aula específica, André encheu uma mesa de objetos. Ficamos investigando o porquê deles estarem ali. Tudo bem. Vamos agora ao que me faz retornar.
Na semana passada, um pedaço do trem de pouso, provavelmente do avião do "atentado" de 11 de setembro, foi encontrado nos Estados Unidos. (
ACESSE). Fiquei pensando: por que esse pedaço de avião não pode ser um Lego gigante que meu sobrinho Joãzinho (que mora na Samambaia) deixou entre a mesquita e um dos prédios do WTC? Será que alguém não deixou esse pedaço por engano? Ou até mesmo com a intenção de chamar atenção das autoridades? Vamos ao que interessa. Chegou a hora da Diplomática.
Já que você teve a paciência de me acompanhar nessa loucura, apresentarei insanidades maiores. Vamos a um pouquinho de lógica. O pedaço do avião está para o avião inteiro, concorda comigo? Isso porque os peritos tentarão remontar o quebra-cabeça do avião. Assim como o avião inteiro está para alguma coisa, também concorda comigo? Em outras palavras, o avião pode ser qualquer avião. Mas parece que não: inclui o número visível da identificação de um Boeing. Voltando o raciocínio: o pedação está para o todo. O todo está para alguma coisa: Céu, nuvem, chuva, WTC? Preencha a lacuna você.
O método diplomático e tipológico nos leva exatamente a estas questões. É uma tentativa de dar significado ao "estranho" elemento por intermédio da análise de seu contexto de origem. Vai do micro para o macro. Despedaça para depois juntar. Mastiga para vomitar. É como começar a ler. Paulo Freire que me desculpe, vou matar aqui suas intenções políticas de alfabetização. A letra resulta na sílaba. "Ra". Uma sílaba a outra. "Ra-Re-Ri-Ro-Ru". A junção à palavra. "Ra-to". A palavra ao significado: bichinho "nojento" que come restos de comida ou então cobaia de laboratório para testes científicos. O significado ao contexto: "o rato roeu a roupa do rei de Roma". E assim se aprende a ler, a contextualizar, a problematizar temas e questões.
"Ok Rodrigo, você está falando de Boeing, meu filho. Nós discutimos documentos de arquivo". É sempre bom lembrar que o "achado" gerou uma boa quantidade de fotos. Além disso, a brincadeira aqui tem como objetivo aguçar a nossa curiosidade e discutir a Diplomática de forma lúdica. Não pensem que vou deixar as coisas claras. A ideia é confundir para esclarecer.
Será que vocês realmente já pararam para pensar o que realmente o contexto significa num mundo que tem como prioridades majoritárias o acesso e o fluxo? A excelente discussão do post da Nota Fiscal de aluguel de espaço físico me fez pensar em questões profundas. Perdi o sono. André, ponto para você. O comentário de
Mariana Sande revela pontos interessantíssimos:
"(...) como o plano de classificação do Conarq é por assunto e não se importa (podemos dizer assim) com a função do documento, o sensato a fazer, visando a possível recuperação da informação é classificá-lo pelo assunto que representa, mesmo que não tenha dado a concretização de uma despesa, através do pagamento. Por isso, mesmo sabendo que não é adequado e que está longe do ideal, o documento deve ser classificado no código 052.22 por causa do seu assunto" (1).
Em outras palavras, Mariana, sabiamente, sobrepõe a questão do acesso ao contexto. Ou seja: para que serve a classificação? Acesso ou contexto? Ou acesso com contexto? No caso de sua classificação: acesso sem contexto? Com propriedade, ela se defende previamente. Este é o ponto onde queria chegar.
Será que a defesa do contexto é preponderante aos gestores de informações arquivísticas num mundo que só debate acesso? As organizações querem encontrar informações para tomar decisões. O acesso tomou conta do cenário. Jogou um desafio enorme às demais funções. Vide exemplo da preservação. Antes se pensava em preservar para dar acesso. Agora não, pensa-se em dar acesso e depois perguntamos: mas como vou preservar isso? As tecnologias da informação e comunicação (TIC) trazem esse desafio aos arquivistas.
Imagine-se numa discussão com alguém da TI, juntamente com seu chefe. O cara da TI prometendo mundos e fundos (Sem trocadilhos). E você falando de contexto de produção, que está para a pesquisa, para a confiança da fonte. O mundo contemporâneo quer mesmo confiabilidade em meio às notícias instantâneas e inescrupulosas? Será que essa preocupação excessiva com o contexto não remete à visão historicista dos arquivos? Será que para defender a gestão temos que reforçar a vocação tradicional dos arquivos como "lugar de memória"? Schellenberg que me desculpe: quando o li, vi alguém tentando defender a gestão para reforçar a história. Daí a discussão sobre os valores primário e secundário. O pano de fundo é a avaliação. Mas o meu chefe não quer saber de história! Quer o agora. Vivemos num "mundo-espetáculo". (
ACESSE) Recentemente, o Estadão publicou uma foto da Guerra do Congo para discutir a falta de merendas nas escolas de São Paulo. (
Acesse aqui), E dai? Quem se importou? Contexto? "Para que meu filho?" O meu chefe bate em meu ombro e complementa: "Queremos notícias, e não fatos. Espetáculos prescindíveis de autenticidade". Enquanto isso, Luciana Duranti queima as pestanas no projeto InterPARES. (
ACESSE).
Sabe o que é mais interessante nisso tudo?
Talvez todos esses elementos contemporâneos reforcem ainda mais a importância da contextualização. Agora a minha cabeça começa a dor um nó. É assim mesmo. "A vida, portanto, meu caro, não tem solução". (
ACESSE). Eduardo, um colega da UEPB, frequentemente diz "não consigo explicar aos meus colegas da TI a importância de um plano de classificação. Todas as perguntas que faço são respondidas com soluções facilmente transportáveis para os recursos da tecnologia". Do tipo: "Ok Eduardo. Isso a gente resolve assim". Acesso, acesso, acesso....
Como a palavra de ordem é colaboração. Alguém tem alguma opinião sobre o assunto? Vamos conversar sobre isso? O que vocês acham? Gostei muito das discussões da turma nos posts anteriores.
(1) O que interessa em nossa discussão não é se a classificação está certa ou errada. O relevante é a justificativa da autora. A funcionalidade da classificação como representação do contexto e/ou acesso.
P.S: André, tomei um pouco do "não-espaço". Mas a ideia é essa.
Abraços.
Rodrigo Ávila
EM TEMPO: o "ñao-espaço" está às ordens; use & abuse. Acho que os alunos e todo nosso público externo (afinal 42,5% das 7.224 visualizações de páginas dos últimos 30 dias é de fora de Brasília) só têm a agradecer por suas intervenções, que estimulam e fomentam o debate. - André Lopez