Muitas vezes erros grosseiros cometidos revelam à primeira vista falsificações quase que cômicas. A falta crassa de cultura dos falsários, somada à similar ignorância de alguns acabam por dar alguma sobrevida a esse tipo de situação antes que a mascara caia e que a imprensa seja chamada, para deleite da sociedade. Há, no entanto, alguns procedimentos adotados por diversos órgãos e instituições para prevenir esse tipo de ação evitar danos maiores às organizações, os quais comprometem a imagem, com efeitos muito mais devastadores do que o ônus financeiro em si. Daniela Larcher, trabalha como períta na análise de documentos destinados à viabilização de empréstimos bancários e apresentou uma interessante contribuição à essa tematica.
__________
André Lopez
Análise de documentos
em um contexto bancário.
Daniella Larcher
(especial para o blog de Diplomática e Tipologia Documental)
A análise de documento realizada em um contexto bancário tem como base a necessidade do controle de risco por parte das instituições. Reforçada pela legislação vigente, a obtenção de crédito ou a realização de serviços bancários é primordialmente reforçada pela necessidade de comprovação continua de diversas situações. Nossos avós, ou até mesmo nossos pais se lembram de épocas em que ir ao banco e pedir um empréstimo era um processo menos burocrático, e em que o relacionamento entre o empregado no guichê do caixa e o cliente era mais pessoal.
Em 1974, os dirigentes dos bancos centrais do mundo chamado G10 se reuniram na cidade de Basiléia (Suíça) e criaram um comitê com a finalidade de regulamentar as práticas das instituições bancárias dos países membros, este comitê, embora não tenha autoridade de supervisão supranacional formal, trabalha com as autoridades de cada um dos países membros para que as propostas sejam implementadas nos sistemas financeiros de cada país. O acordo da Basiléia foi publicado em julho de 1988, com o delineamento das regras que os bancos devem seguir para o gerenciamento dos riscos de crédito e de mercado. Posteriormente, em junho de 2004 foi publicado o acordo da Basiléia II, e, em 2010, o Basiléia III.
Motivados pelo caso do Banco Barings, em que um único funcionário foi capaz de solapar uma das instituições bancárias mais tradicionais da Inglaterra levando o banco à falência em 1995 (existem até filmes sobre o caso) o comitê da Basiléia formulou em suas regras formas de controle de risco e análise documental – chamadas risco operacional - que protegem o sistema financeiro, o banco, os investidores, os empregados e quem diria: o cliente
O risco operacional foca especialmente em três elementos de risco: o erro humano, as fraudes praticadas por terceiros ou empregados e as falhas nos sistemas ou processos. Exemplos de erros que geram situações de risco são os erros de digitação, a falta de segregação de atividades, as falhas nos sistemas, extravios de documentos, falta de treinamento e descumprimento de regulamentos, entre outros. Visando cumprir o acordo da Basiléia, e tendo como foco a redução de prejuízos, os bancos instalaram a conformidade legal e normativa, que pode ter nome diferenciado em diferenciadas instituições, mas se traduz na aderência às leis, normas internas e externas e regulamentos diversos. Seu objetivo é assegurar que as atividades exercidas dentro do contexto bancário estejam de acordo com as determinações dos órgãos reguladores, sejam eles quais forem.
No Brasil, os manuais de regras dos bancos eram impressos em formato livro durante a década de 1980 e meados de 1990. Os volumes extensos e pouco fáceis de manusear em função da grande quantidade de informação contida, eram considerados quase que sagrados pelos empregados. Uma espécie de bíblia bancária, muito reverenciada e pouquíssimas vezes realmente lida. As normas atuais são disponibilizadas em forma de biblioteca eletrônica a todos os empregados para consulta. Também foram criados sistemas de acompanhamento e conformidade de processos, papéis e documentos. Estes sistemas contêm listas pré-fixadas de verificação que devem ser feitas de acordo com a operação pretendida. Sua finalidade é, de fato, verificar a qualidade do trabalho exercido nos pontos de atendimento (agências ou outros canais).
A tramitação do processo se dá de acordo com as normas estabelecidas pelo banco. Um exemplo seria a obtenção de um empréstimo por um cliente: O cliente procura o ponto de atendimento, solicita o empréstimo especificando – ou não – o destino do recurso. Comprova, através de documentação pertinente, dados como identidade, residência, capacidade de pagamento e idoneidade. Esses dados são inseridos no sistema de risco e analisados juntamente com pesquisas realizadas de forma automatizada. Esta análise do sistema é então submetida à análise da conformidade. Inserido no sistema de conformidade o dossiê passa por uma análise manual realizada por um empregado habilitado. Em termos gerais, a listagem de um processo médio tem 28 quesitos, cada quesito possui cerca de 10 a 15 itens a serem analisados. Dos sinais de validação como carimbo de empregado da instituição e assinatura, da expressão “confere com o original” aposta por empregado, até dados de capacidade legal, a análise de documentos exercida pelo responsável pela conformidade na esfera da instituição financeira é feita em minúcia. Isso requer treinamentos específicos feitos pela empresa na capacitação dos empregados em reconhecimento grafoscópico, legislação, e um extenso conhecimento das normas aplicáveis a cada situação.
A vivência dos empregados empenhados na realização da conformidade dentro do ambiente bancário é quase sempre a mesma: são empregados especializados em reconhecer padrões de adulteração que nem sempre são visíveis a quem está no atendimento dos clientes, ou envolvido por eles. A análise técnica da documentação é alheia ao relacionamento com o cliente, e isto é benéfico, ma medida que a maior parte das tentativas de fraude ocorre ainda no nível de comunicação pessoal. Os fraudadores se valem de diversas artimanhas, mas nenhuma se compara ao carisma. A análise tende a ser mais acurada por se desvencilhar dos efeitos ilusórios, do charme e de outras artimanhas dos fraudadores, porém ainda resta um forte empecilho: a análise técnica não tem acesso ao documento original, e sim a cópias fornecidas pelos empregados que realizaram o atendimento do cliente. Não há como se afirmar que o documento é falso, e sim que é suspeito – mesmo que as tentativas de forja sejam grosseiras. Um exemplo recente, que foi amplamente divulgado pela mídia, é o da identidade com a foto de um ator famoso. Um agente de conformidade poderia dizer que o documento é suspeito, mas cabe aos legisladores definir se se trata ou não de fraude, uma vez que somente quem emite um documento pode negar sua autenticidade.
Outro exemplo muito conhecido é o de numerário falso. Quando reconhecido a cédula ou moeda suspeita, a mesma deve ser recolhida e enviada ao Banco Central, órgão responsável pela Casa da Moeda Brasileira. A análise e definição de se o numerário é ou não falso só pode ser realizada pelos especialistas do Banco Central, ainda que a forja seja de má qualidade ou óbvia. Cabe ao órgão emissor a negativa de autenticidade.
O tratamento dos documentos recebidos é dificultado pela falta de padrão, dada a multiplicidade de órgãos capazes de emitir um mesmo documento, e pelos padrões variados apresentados em um mesmo documento, muitas vezes com variações oriundas das gráficas utilizadas. A CNH (Carteira Nacional de Habilitação, documento que comprova a permissão para dirigir veiculo automotor), por exemplo, pode ser emitida por diferentes órgãos: DNT, DETRANs e CONTRAN, todos os órgãos públicos relacionados ao trânsito. Embora o documento mantenha padrões de tamanho e algumas informações, existem diferenças notáveis entre um e outro como, por exemplo, a cor dos formulários, a assinatura dos responsáveis, a sequência de numeração dos documentos etc.. Conhecer essas variações evita, em primeira análise, à suspeitar de documentos que apresentam pequenas variações em relação ao padrão local e corrente, enquanto seu perigo é não prestar atenção em variações e entender que todos os documentos são legítimos. O importante, na análise documental bancária ‑ insisto em frisar ‑ é bem conhecer o documento, tendo sobre ele informações capazes de propiciar uma análise por meio de padrões informativos, geográficos e temporais.
No universo bancário, os casos de fraude, embora comuns, não são divulgados, basicamente por dois motivos. Em primeiro lugar as fraudes reconhecidas em ambiente de agência normalmente não são reportadas uma vez que o ato não chegou a ser praticado, como é o caso, por exemplo, da identidade falsa pega no guichê de caixa. Uma atitude conhecida é pedir “um minutinho” enquanto finge analisar o documento e ver o falsário fugir deixando pra trás sua prova de fraude. Esse tipo de ocorrência é bastante comum em guichês de caixa de todo o Brasil, mas não gera uma informação registrada, uma vez que a tentativa foi frustrada, sem dano para a instituição. O outro motivo é o processo burocrático pelo qual passam as tentativas que obtiveram êxito. Vale lembrar que, no Brasil, há grandes bancos públicos, o que caracteriza a subtração de numerário como crime contra o erário publico, desembocando em um processo de apuração de responsabilidades de acordo com a legislação administrativa. Quando finalizado, a Policia Federal e a Justiça são notificadas. A quantidade de burocracia envolvida é variável de acordo com o delito. Ainda há outros problemas no levantamento sistemático da ocorrência de fraudes (e tentativa de fraudes) como: a extensão da rede de atendimento, a vergonha dos empregados em assumirem que foram ludibriados, além do próprio interesse institucional em não causar alarde a respeito de tais situações, evitando a insegurança dos funcionários e mantendo íntegra a imagem das instituições bancárias perante a sociedade.