Reprodução: "Operários" Tarcila do Amaral
Neste 1° de Maio, Dia Mundial do Trabalho, comemora-se também o aniversário de 70 anos da Justiça do Trabalho (JT) no Brasil. A premissa básica para existência desse ramo do Poder Judiciário é que entre empregador e empregado há um claro desnível de poder.
Hoje nos parece a coisa mais normal do mundo que, por exemplo, as mulheres tenham direito a licença maternidade, a jornada de trabalho seja de 8 horas, as férias sejam remuneradas, haja percepção de 13° salário. Porém, obter e consolidar direitos dessa natureza nunca foi algo fácil; muito pelo contrário, esses processos sociais têm como característica a complexidade, a morosidade e a violência.
A JT foi (e ainda é) um dos mais destacados palcos do confronto entre quem é dono dos meios de produção e quem só tem como posse a própria força de trabalho, os arquivos comprovam. Processos judiciais trabalhistas que atravessaram o tempo (graças à intervenção arquivística, é óbvio) nos permitem compreender como o Direito e as relações laborais se desenvolveram num período que vai de 1923 até hoje.
Alguém pode fazer a conta e se perguntar “Não é desde 1941? Se a comemoração é só de 70 anos como já haviam processos em 1923?”. Explico: em 1923, no âmbito do Poder Executivo, foi criado o Conselho Nacional do Trabalho (CNT), primeiro órgão estatal responsável, exclusivamente, por dirimir os conflitos advindos das relações de trabalho. Em 1° de Maio de 1941, no estádio do Vasco da Gama (São Januário), o então presidente Getúlio Vargas fez (por conta de reestruturações das competências do CNT) um inflamado discurso que é considerado e comemorado hoje como o marco da instalação da JT.
(Apesar de datar de 1° de Maio de 1951, este vídeo nos dá uma idéia de como eram os tradicionais discurso de Vargas, em São Januário, por ocasição das comemorações do Dia do Trabalho)
Porém, apenas com a Constituição de 1946 essa “Justiça do Trabalho”, que era ligada ao Executivo, passou efetivamente para o âmbito do Poder Judiciário. O CNT foi extinto e para sucedê-lo e dar continuidade às suas atividades foi criado o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Temos então dois Fundos, um do CNT (1923-1946), fechado; e outro do TST (1946-atualidade). Dois microcosmos que possibilitam a compreensão dos costumes jurídicos administrativos e sociais de boa parte do século XX. Numa série tipológica qualquer do Fundo CNT é possível notar, à margem dos julgamentos, um conjunto de contextos e falas que denotam a ingenuidade e belicismo do período entre guerras, a caça aos comunistas, a ascensão das estradas de ferro e dos portos, o processo de urbanização e por fim o terror da 2° GM.
Contar a história do trabalho é também contar a história da riqueza e, de certa forma, da miséria humana. Como a ufana sociedade do conhecimento, da tecnologia, da rasgação de seda democrática ainda convive com situações como trabalho escravo, trabalho infantil? Compreender as raízes desses problemas depende, sem dúvida, dos métodos e técnicas dos pesquisadores, historiadores, sociólogos etc. Porém dar sentido aos registros que mostram o desenrolar desses fatos só é possível através da aplicação dos métodos da arquivologia.
Por isso, os arquivos permanentes precisam de um projeto de trabalho bem estruturado, as atividades devem ser planejadas no contexto de 4 funções arquivísticas, em ordem de importância: Classificação (arranjo), Descrição, Preservação e Difusão. Como relato de experiência apresento um produto relacionado a uma das atividades de Difusão desenvolvidas pela Coordenadoria de Gestão Documental do TST, que hoje tem a custódia do Fundo CNT.
Os pré-requisitos para o trabalho, é claro, foram: estrutura de classificação criada a partir do estudo dos estatutos e das funções administrativas e judicantes do CNT, descrição no padrão NOBRADE e programa de restauração e digitalização de processos com integridade em risco.
O Informativo intitulado "Labor!", faz parte do programa Memória Viva do TST e é publicado quinzenalmente, pelo setor de Arquivo da instituição.
O texto foi elaborado com base na análise de um processo judicial de 1933 e teve como objetivo mostrar a evolução de um instituto de direito do trabalho, a estabilidade no emprego, a partir da história de um ferroviário, o Sr. Reynaldo Amorim que se sentiu injustiçado por sua demissão. A colagem de imagens digitalizadas do processo ao corpo do informativo visou trazer ao leitor a idéia de proximidade com o documento, sua forma de escrita, textura, cor; ou seja, tem-se a análise feita pelo historiador aliada a imagens do processo.
Não é algo fantástico, apenas uma forma mais palatável para se apresentar as características e potenciais linhas de pesquisa do Fundo. E também para se buscar novas clientelas, como alunos do curso de arquivologia, por exemplo. Atualmente o Fundo CNT é objeto de interesse de estudiosos do Direito e também da História Social do Trabalho. Várias pesquisas acadêmicas estão sendo desenvolvidas a partir dos desses arquivos, uma já finalizada é a Tese “Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e as leis do trabalho nos anos 1930” de Samuel Fernando de Souza da UNICAMP.
Dentro da JT esses arquivos servem à elaboração de discursos de autoridades por ocasião de solenidades (a de 70 anos por exemplo), à pesquisa jurisprudêncial, à pesquisa estatística, à pesquisa de decisões em acórdãos antigos (direito comparado).
Pensando-se nas estratégias de atuação dos setores de arquivo, a importância de trabalhos dessa natureza deveria ser melhor avaliada. Alguns dos benefícios estão relacionados a questões afetas ao discurso da 'Memória Institucional', do 'resgate da memória', outros nem tanto. Sei que tem muita abobrinha nessa literatura que fala de Memória Institucional, mas na de gestão do conhecimento e da informação também tem e nem por isso ela está descartada. Talvez só precisem de ajustes, mais pesquisas, novos entendimentos. Não acho que seja um "caminho do mal", de certa forma até vejo (guardadas suas devidas proporções, não me compreendam mal) Memória Institucional quase que como um neologismo para as atividades de Arquivo Permanente. E digo mais, seja qual for o nome:
1 - Atualmente é objeto de grandes expectativas institucionais;
2 - Dá uma enorme projeção para o nosso trabalho;
3 – Se o arquivista não quiser o pessoal da Biblioteca, da Comunicação Social, dos Cerimoniais, com certeza vai querer. Acreditem, eles estão dispostos a levar os documentos arquivísticos para seus setores e realizar o trabalho.
4 – Fugindo de cafonices e patriotadas (no caso de quem trabalha em órgãos públicos) pode ser algo muito bom para a instituição e ótimo para a sociedade.
5 – Sem dúvida tem a ver com nossas bases teóricas e metodológicas e, por fim, é um trabalho muito legal e prazeroso de fazer.
Vamos lá! Revisitem, revisem Bellotto e mãos à obra!
Postado por: Leonardo N. Moreira