11 maio 2011

Renato Russo e os arquivos

Copiado de Oifm (Renato Russo, João Barone, Bi Ribeiro, Herbert Vianna e Dado Villa-Lobos, em algum momento dos anos 80)


Vasculhando a blogosfera diplomática me chamou atenção o último post" do Lanchonete do Roberto, o blog destacou uma música da Legião Urbana que lembra um pouco os conceitos de Diplomática. A canção é Que país é esse, do CD homônimo lançado em 1987, o trecho é o seguinte:

"Na morte eu descanso
Mas o sangue anda solto
Manchando os papéis, documentos fiéis
Ao descanso do Patrão
Que país é esse?"

O discurso eminentemente político do Renato Russo (RR) traz uma boa sacada sobre o que representam os registros arquivísticos; os documentos trazem em si o DNA das ações que os geraram, o texto pode até mentir, mas o contexto, quando explícito, entrega tudo.

Acho que o RR gostava um pouco dessa visão meio soturna dos arquivos, lembrei de outra canção em que ele também explorou o tema, a genial Petróleo do Futuro, de 1985, faixa 3 do primeiro álbum da Legião. O Riff diz bem assim:

"Filsofos suicidas
Agricultores famintos
Desaparecendo Embaixo dos arquivos"

Não há dúvidas que o trecho representa uma raivosa provocação contra a já moribunda (e foi tarde) ditadura militar. Porém incomoda que o arquivo seja representado como um lugar desses. De certa forma, acho que é, também, responsabilidade dos arquivistas o fato de os direitos das famílias dessas pessoas estarem ali para desaparecer; apodrecer, soterrados e sufocados pela falta de transparência e de vontade que está nas entranhas do nosso Estado.

Ninguém quer criar heróis, apenas colocar as coisas em seus devidos lugares. Com os arquivos seria possível julgar os responsáveis pelos crimes bárbaros cometidos por ambas as partes. Esse é um movimento que ganha força na América Latina, no Uruguai recentemente foi aprovado um projeto que anulou a Lei de Anistia do país, lá o Estado de Exceção perdurou de 1973 a 1985, a teoria é que agora sejam revistos os atos contra a Humanidade que foram cometidos na época.

Arquivo da UnB (Invasão da UnB, em 1968)

Para quem defende o argumento de que "ah, o cara só estava cumprindo ordens" , digo que até pra isso há limites e recomendo a leitura de Eichmman em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal, da Hannah Arendt. Que permite, guardadas as devidas proporções, uma visão mais aguçada a sobre a questão da responsabilidade dos indivíduos quando inseridos em movimentos políticos tão extremados, como ditadura ou guerrilha.

Mas, retomando a idéia central do post, e pra não dizer que não falei das flores, lembro que o RR também já expressou uma faceta mais lírica dos documentos de arquivo, como quando, em 1992, ele participou do àlbum Homem de Rua do Erasmo Carlos, gravando junto com o Tremendão a música A Carta (olha a espécie documental aí) que dizia bem assim:

"Escrevo-te
Estas mal traçadas linhas
Meu amor!
Porque veio a saudade
Visitar meu coração
Espero que desculpes
Os meus erros por favor
Nas frases desta carta
Que é uma prova de afeição..."

Respondam, porque a carta é uma "prova de afeição"? É só o conteúdo do texto que traz essa prova ou todas as circunstâncias que envolvem a produção do objeto 'carta'? Caberia um desafio diplomático nessa, hein? Enquanto carta é prova de afeição, carteira de habilitação é prova de que você passou por todo o processo exigido para sair dirigindo por aí; quem já escutou o Álbum "Músicas para acampamento", também da Legião, conhece a hilária introdução da música Baader Meinhof Blues, onde o RR imita a voz do policial e dos adolescentes parados numa bliz:


"-- Sai do carro garoto, mão na cabeça
-- Pô, agente não fez nada!
-- Sai do carro garoto!
-- Pô, o que que é isso?
-- Documento #@!%, não quero saber,
que papo é esse[...]"

Correto pedir a habilitação, vai que o garoto fosse o Jonhy indo tirar racha na curva do diabo em sobradinho (da canção Dezesseis, manja?). Acho interessante também a música "Perdidos no Espaço", de 1985:


"Escrevi pra você e você não respondeu
Também não respondi quando você me escreveu
Anotei seu telefone num pedaço de papel
E calculei seu ascendente no recibo do aluguel
Esqueci seu sobrenome, mas me lembro de você"


Copiado de r7. (Renato Russo, Renato Rocha, Dado, e Marcelo Bonfá)

Essa é pura Ciência da Informação-Arquivística-e-Diplomática. Além de palavras como "escrevi", "respondeu", "anotei", "telefone" "calculei", "esqueci", "lembro", todas relacionadas ao processo de cognição e também a tecnologias envolvidas na comunicação , transferência, e registro da informação; temos a citação de uma espécie documental o "recibo de aluguel" e de um suporte, o "pedaço de papel".

Seria ótimo ter mais tempo para relembrar todas as músicas da Legião (ou de outras bandas) que remetem a temas da diplomática ou da arquivística; porém ,até conseguir a ajuda de vocês, encerro com uma clássica, e pra mim insuperável, do Sérgio Reis:

"Se você pensa
Que meu coração é de papel
Não vá pensando, pois não é
Ele é igualzinho ao seu
E sofre como eu
Por que fazer chorar assim
A quem lhe ama

Se você pensa
Em fazer chorar a quem lhe quer
A quem só pensa em você
Um dia sentirá
Que amar é bom demais
Não jogue amor ao léu
Meu coração que não é de papel"


Postado por: Leonardo N. Moreira.

8 comentários:

  1. Poxa Leonardo, muito bacana esse post. Já é legal falarmos de Renato Russo, uma grande figura de talento indiscutível. RR tinha o dom de saber como e quais palavras usar para compor suas músicas e expressar sua opinião, foi um homem talentoso que marcou não só aquela geração ao qual pertenceu, mas a todas as posteriores. Lembrar de suas canções é muito prazeroso e recorda-las fazendo essa relação com o que estou estudando e aprendendo ficou bem mais legal. Em minha opinião esse foi um dos posts mais legal do blog nesse semestre. Parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Concordo com a Yasmin, o post, apontamentos e relações tracadas ficaram bem interessantes. Em um de seus artigos (RASTROS DE MEMÓRIAS, HISTÓRIA DE UMA GERAÇÃO: A EXPOSIÇÃO
    RENATO RUSSO MANFREDINI JR.) a professora Georgete Medleg discute justamente essa força que o Renato Russo representou, não apenas sob o ponto de vista cultural, como sua capacidade de registrar através da música um retrato da sociedade da época em que viveu. Essas reflexões nos abrem um espaço não apenas para pensar questões da diplomática, como também a própria memória social, cultural e política que resguardam esses documentos. As músicas do Renato e da Legião são com certeza arquivos pemanente de nossas memórias e que sempre permitirão essas interpretações verídicas de momentos e épocas que muitos de nós não viveu.

    ResponderExcluir
  3. Como fã e admiradora do Renato Russo e Legião Urbana não poderia deixar de gostar deste post também!
    Realmente, são inúmeras as músicas que poderíamos correlacionar com a disciplina. Andrea Doria:
    "Às vezes parecia
    Que era só improvisar
    E o mundo então seria
    Um livro aberto..."

    A Fonte:
    "Chego ao lago da memória
    Que tem água pura e fresca(...)
    Dai-me de beber, que tenho uma sede sem fim"

    Leila:
    "Você monta suas fotos pra exposição
    Promete trabalhar mais com o computador
    E terminar seu vídeo até setembro (...)
    Ver a conta do banco, cartão, IPTU"

    Poesia:
    "Como expressar nas palavras,
    os gestos que queria fazer,
    as coisas que gostaria de ver"

    Aos fãs, ou pelo menos curiosos, recomendo a leitura da biografia "O Filho da Revolução", escrita por Carlos Marcelo, que contém depoimentos, fotografias, manuscritos e desenhos inéditos, tudo devidamente contextualizado pelos fatos sociais, políticos e culturais da época.

    ResponderExcluir
  4. Os comentários desta postagem, depois do "apagão" do blogger, não foram recompostos, razão pela qual os reproduzo adiante, a partir de cópia automática recebida no meu e-mail.

    ResponderExcluir
  5. Poxa Leonardo, muito bacana esse post. Já é legal falarmos de Renato Russo, uma grande figura de talento indiscutível. RR tinha o dom de saber como e quais palavras usar para compor suas músicas e expressar sua opinião, foi um homem talentoso que marcou não só aquela geração ao qual pertenceu, mas a todas as posteriores. Lembrar de suas canções é muito prazeroso e recorda-las fazendo essa relação com o que estou estudando e aprendendo ficou bem mais legal. Em minha opinião esse foi um dos posts mais legal do blog nesse semestre. Parabéns!

    Postado por Yasmin no blog Diplomática e Tipologia Documental - UnB em 12/05/2011 09:12:00

    ResponderExcluir
  6. Concordo com a Yasmin, o post, apontamentos e relações tracadas ficaram bem interessantes. Em um de seus artigos (RASTROS DE MEMÓRIAS, HISTÓRIA DE UMA GERAÇÃO: A EXPOSIÇÃO
    RENATO RUSSO MANFREDINI JR.) a professora Georgete Medleg discute justamente essa força que o Renato Russo representou, não apenas sob o ponto de vista cultural, como sua capacidade de registrar através da música um retrato da sociedade da época em que viveu. Essas reflexões nos abrem um espaço não apenas para pensar questões da diplomática, como também a própria memória social, cultural e política que resguardam esses documentos. As músicas do Renato e da Legião são com certeza arquivos pemanente de nossas memórias e que sempre permitirão essas interpretações verídicas de momentos e épocas que muitos de nós não viveu.

    Postado por Marcio no blog Diplomática e Tipologia Documental - UnB em 12/05/2011 14:43:00

    ResponderExcluir
  7. Como fã e admiradora do Renato Russo e Legião Urbana não poderia deixar de gostar deste post também!

    Realmente, são inúmeras as músicas que poderíamos correlacionar com a disciplina.

    Andrea Doria:
    "Às vezes parecia
    Que era só improvisar
    E o mundo então seria
    Um livro aberto..."

    A Fonte:
    "Chego ao lago da memória
    Que tem água pura e fresca(...)
    Dai-me de beber, que tenho uma sede sem fim"

    Leila:
    "Você monta suas fotos pra exposição
    Promete trabalhar mais com o computador
    E terminar seu vídeo até setembro (...)
    Ver a conta do banco, cartão, IPTU"

    Poesia:
    "Como expressar nas palavras,
    os gestos que queria fazer,
    as coisas que gostaria de ver"

    Aos fãs, ou pelo menos curiosos, recomendo a leitura da biografia "O Filho da Revolução", escrita por Carlos Marcelo, que contém depoimentos, fotografias, manuscritos e desenhos inéditos, tudo devidamente contextualizado pelos fatos sociais, políticos e culturais da época.

    Postado por Raiane no blog Diplomática e Tipologia Documental - UnB em 12/05/2011 15:48:00

    ResponderExcluir
  8. Concordo que o Renato Russo se interessava por aquivo, memória e lembranças recordadas em informação registrada (teve até uma exposição que comprova isso em2005ou 2006 ou sei lá quando), entretanto não consigo perceber a manifestação do mesmo na letras de sua músicas... O que não quer dizer que eu não tenha gostado da possibilidade de pensar no caso. =)

    ResponderExcluir

clique para comentar