25 abril 2011

As cartas na mesa




Capas de CD's, DVD's, canetas, anéis, preservativos, e muitos outros objetos que, à primeira vista, nos parecem esquisitos; tudo isso em cima de uma mesa, num auditório, com pessoas ao redor, curiosas em descobrir o que eles significam, pra que foram produzidos e qual o sentido de estarem ali. 

Há tempos, quando tive a oportunidade de fazer a disciplina de Diplomática, foi reforçada a imagem de uma disciplina antiga, obsoleta, sem utilidade alguma para os tempos atuais. No futuro percebi o grande equivoco a que fui submetido. E agora você deve estar se perguntando, qual a utilidade desses objetos numa sala de aula? Também me perguntei quando presenciei o fato. Ai começa a sua participação e a construção do conhecimento de maneira individual e ao mesmo tempo coletiva. As pessoas ficavam ali tentando reconhecer as coisas, e, sem perceber, estavam construindo uma análise, uma dissecação dos elementos do documento, que não estavam apresentados a priori, mas que foram desenvolvidos pela conduta do raciocínio. Na minha época de graduação, essa aula já bastava para compreender a importância da Diplomática; sem ter nenhuma resposta em mente, mas várias perguntas no trajeto do ônibus até a minha casa.

Acostumados com os livros do ensino médio, entramos na universidade esperando um conceito, um quadrado com letras chamativas, destacado no livro, e o professor dizendo "a Diplomática é a disciplina que estuda...". Nesse quadro, o conceito é a linha de partida pra quem se contenta em saber o que lhe ensinam. Por outro lado, a definição é a linha de chegada para aquele que constrói o próprio caminho com os elementos disponíveis, integrando-os a outros por intermédio da reflexão. Esses pontos foram destacados nos trabalhos com os blogs. ACESSE AQUI.

Quando Paulo Freire nos apresentou os pensamentos inovadores para a educação, pensando numa Pedagogia da autonomia, tínhamos ali a esperança de um ambiente educacional que versasse pela independência do sujeito que constrói o pensamento, e não mais uma mera replicação de um sistema hierárquico, baseado na figura de uma pirâmide, no argumento de autoridade de um professor que transfere luz aos "a"lunos. Das fileiras de cadeiras postas diante de nós pelos monges da Idade Média, passamos a pensar em círculos, em transmitir o que se pensa e reconstruir o que se tem com o auxílio das outras "autonomias".

Um dentre tantos exemplos, Glauber Rocha, quando criança, pediu a sua mãe que lhe ensinasse a ler e escrever, e acrescentou: "Mãe, o resto eu faço sozinho". Construiu a sua independência, ditou os seus rumos e criou a sua estrada. Pensou com autonomia um Brasil que refletisse os problemas de seu povo, deixando de lado tentativas e fórmulas miraculosas de se reconstruir uma realidade tão distinta. O pensar crítico e a autonomia necessitam de coragem, constroem novas maneiras de se repensar os problemas, demonstrando espaços até então inexplorados.

Pra que serve um arquivista numa sociedade que preza cada vez mais pelo imediatismo? Pra que serve uma universidade pública? Como podemos repensar as estruturas universitárias? Estas e tantas outras questões já foram discutidas aqui neste espaço, demonstrando uma roda de conversa virtual. Se estas e tantas outras questões não forem revistas, continuaremos em nosso estado de esquizofrenia diante de tudo que nos cerca; fingindo uma importância que só cabe a si mesma, e que só se contenta em resolver os seus próprios problemas.

Sinceramente, espero que os objetos possam continuar em cima da mesa, que o professor não me diga, num primeiro momento, o que eles representam. Assim, levantemos a oportunidade de desconstruí-los, repensá-los e de torná-los úteis de outras maneiras. Que possamos errar várias vezes e de diversas maneiras, porque não há teoria do conhecimento sem a possibilidade de erro.



Postado, voluntariamente, por:
Rodrigo Fortes de Ávila.

12 comentários:

  1. Great post lad. Por isso que suas contribuições são sempre benvidas.

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  2. Gostei muito do seu post. Obrigada pela força,pois, o que você disse vai além dos limites da Universidade.

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  3. Clelia,

    Infelizmente hoje vai além do padrão que temos de universidade, mas não deveria. O que o Rodrigo coloca é o horizonte que a UnB, que nasceu com a proposta de ser "a universidade" do Brasil, inovadora e inclusiva, teria que perseguir.

    A julgar por alguns comentários vistos por aqui (e também por comentários ausentes), há muitos alunos sem nenhuma disposição para buscar vôos mais altos, em concordância com o marasmo e a mesmice do ensino tradicional, bastante preponderantes na UnB (e no sistema de ensino nacional como um todo).

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  4. Cleila, é isso mesmo; isso vai além de uma universidade. É uma questão de postura pessoal diante dos problemas que a gente enfrenta. Ainda acredito no poder da universidade como um espaço aberto às discussões, um ponto de ebulição de conversas, uma troca de experiências. Ninguém tem solução para nada. E por isso a gente tem que sentar e dialogar sobre o que vem acontecendo na nossa realidade, refletindo os nossos rumos. A UnB nasceu com esse propósito. Infelizmente, é muito mais fácil pedir um "fast- food" do que comprar os ingredientes para fazer a própria refeição. A mudança depende de muito fatores. Mas ela só pode começar na gente mesmo.

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  5. "O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica
    em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História". PÁGINA 87 DO LIVRO DO FREIRE.

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  6. Grande post Rodrigo! A sociedade imediatista em que vivemos parece nos permitir esquecer que um "click" não é solução para tudo. Parar, pensar, construir um conhecimento e discordar ou acordar com algum outro já existente parece, às vezes, uma quimera. Mas será mesmo? Será que também é tão difícil dissociar o aprendizado de uma nota, de uma menção? E nós como alunos, como aprendizes, como cidadãos em busca do conhecimento, que nota nos daríamos?

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  7. “Sinceramente, espero que os objetos possam continuar em cima da mesa, que o professor não me diga, num primeiro momento, o que eles representam. Assim, levantemos a oportunidade de desconstruí-los, repensá-los e de torná-los úteis de outras maneiras. Que possamos errar várias vezes e de diversas maneiras, porque não há teoria do conhecimento sem a possibilidade de erro.”
    Achei muito bacana essas palavras, pois por estarmos em uma universidade devemos pensar como gente grande e muitas vezes devemos fazê-lo sozinhos... Num primeiro momento, por estarmos acostumados com aquela hierarquia proposta nas escolas em que estudamos anteriormente, ao entrar no ambiente universitário que a UnB oferece o impacto é bastante visível, pois antes existia alguém sempre explicando um conceito e tentando coloca-lo em nossa mente, na universidade as coisas acontecem de maneira bem diferente. E é engraçado porque até mesmo nas Faculdades pagas essa hierarquia é bastante notada. Como disse o professor André, em um comentário de uma atividade anterior, um aluno de uma universidade pública deve ter plena capacidade de captar um conteúdo e pensar criticamente sobre ele.

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  8. É Fabrício, concordo plenamente com a sua questão. Muitas avaliações de aprendizado servem pra "desavaliar" o aluno. Certa vez, o professor Eduardo Tomanik colocou uma imagem muito interessante: o professor finge que ensina, o aluno finge que aprende, a prova finge que avalia. O aluno tira 10 quando repete tudo o que o professor disse. O aluno entende a armadilha e repete sem aprender. Com isso, o professor acha que está ensinando e o aluno acha que está aprendendo. E desse jeito todo mundo vai se enganando. E a verdade começa a ser uma mentira repetida várias vezes.
    Por isso, vejo no método da avaliação contínua, que inclusive foi proposta pelo André, no trabalho com os blogs, uma boa maneira de diminuir esse gargalo.

    Yasmin, penso como vc. Um dos problemas é que não aprendemos a pensar criticamente antes. E quando nos deparamos com esse tipo de necessidade na universidade, é mais fácil culpar o professor por não ensinar como eu acho que deveria aprender. E quem perde com isso é o aprendiz, e não o professor.
    Abraços

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  9. Um dia, lá atrás, ouvi alguém me dizer que eu precisava estudar para "ser alguém na vida". Com quatro anos de idade não sabia o que isso queria dizer. Ainda hoje, acho que "ser aguém na vida" não é bem ter "sucesso" (status), um "bom" emprego, uma casa, um carro na garagem, dois filhos (não é minha biiicha?!), alguns livros na estante, falar de vinho, de arte e cinema etc. Acredito que estudar te faz "ser alguém na vida" quando educar-se passa por transformar o pensamento, aperfeiçoá-lo, modificá-lo em conjunto com outros pensamentos, outras formas de pensar. A educação, seja ela na escola básica ou na Universidade, deve ser instrumento de construção de um novo saber. Eu não posso "ser alguém na vida" apenas reproduzindo o que me dizem, conceitos, idéias pré-concebidas, preconceitos. Assim não serei "eu", serei algo que o outro disse que "eu" deveria e poderia ser. Não, eu não quero ser esse reprodutor de idéias. Quero as idéias para, junto com as minhas, fazê-las novas.

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  10. "Dr. Pacheco, vai doutorar! Dr. Pacheco, foi almoçar"! http://www.youtube.com/watch?v=WlM52IE_Jrk

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  11. Quando comecei a ler os primeiros parágrafos já pensei em semiótica... sobre os sentidos das coisas, a maneira que aprendemos e apreendemos o mundo. Assim deve ser a educação, seria talvez o que Paulo Freire tanto defendia sobre a pedagogia da libertação. Mas, quem são os sujeitos desse processo? Quem faz parte desses processos? Como um professor pode evitar a alienação sem que a alienação não faça parte da vida dele? Todos os dias que vou para a Universidade, fico pensando no conhecimento... ouvindo colegas, graduados, mestres, doutores e tentando tirar proveito da situação, sem que o "academicismo" tente restringir o universo do saber. Enfim... muitas coisas a pensar sobre tudo isso.

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  12. Fiquei com muitas coisas a pensar aqui também, depois de ler o seu comment. Mas percebi que talvez seja esse mesmo o caminho, a troca entre os sujeitos que se sabem alienados. A consciência da alienação já é um ótimo passo pra se aprender a aprender, a trocar com o outro sujeito do processo, pois, como copiou um anônimo aqui: "O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História". Agora, certamente, o conhecimento não se resume às "cátedras" universitárias. Essa imagem não cabe mais. Esse movimento de contato com o exterior também deve ser realizado pelo próprio ambiente universitário. Fico aqui também com várias questões e inquietações. Grato. Volte sempre!

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